Artigo

Proteção de áreas ciliares: a chave para cidades mais sustentáveis

Artigo de Carlos Eduardo Mesquita Pedone, conselheiro federal do Rio Grande do Sul
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ciliares
Carlos Eduardo Mesquita Pedone

 

A proteção das áreas ciliares aos recursos hídricos em meio ambiente urbano consolidado na perspectiva de um conceito mais amplo de cidade ambientalmente sustentável.

A reflexão de Carlos Eduardo Mesquita Pedone, arquiteto e urbanista e conselheiro federal do Rio Grande do Sul é uma provocação a direcionarmos o nosso foco urgentemente a tornar as cidades ao nosso redor mais sustentáveis.

Leia o artigo completo do conselheiro abaixo.

É impossível se tratar de recursos hídricos em áreas urbanas consolidadas sem mencionar a convivência que existe entre a cidade, o homem e a natureza. A convivência com a natureza é vital para um desenvolvimento urbano e econômico sustentável, sendo os recursos hídricos espaços de ecossistemas e biodiversidades que, mesmo na cidade, precisam ser preservados para assegurarmos um ambiente ecologicamente equilibrado, na forma previsto na nossa Constituição Federal, em seu art. 225.

O homem, numa escala planetária, parece que está substituindo o controlado pelo incontrolado. E isso está sendo feito a uma velocidade e uma profundidade de intervenção desconhecidas em qualquer época anterior da história humana.[1] Há um consenso científico muito consistente indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático. Nas últimas décadas, esse aquecimento foi acompanhado de uma elevação constante do nível do mar, sendo difícil não o relacionar ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos extremos, embora não se possa atribuir uma causa cientificamente determinada a cada fenômeno em particular.[2]

Da Carta Encíclica Papal observa-se que há vários fatores que contribuem para o aquecimento global, mas numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é devida à alta concentração de gases de efeito estufa, emitidos sobretudo por causa da atividade humana. A Carta Encíclica detalha que a concentração desses gases na atmosfera impede que o calor dos raios solares refletidos pela Terra se dilua no espaço, e que isso é particularmente agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis, que está no centro do sistema energético mundial.[3]

A discussão sobre questão ambiental urbana cresce com a Conferência das Nações Unidas, conhecida como ECO-92, no Rio de Janeiro. Nessa conferência, em que questões gerais ligadas à proteção dos recursos naturais foram consideradas prioritárias, foram também consagrados princípios que aliam crescimento ou desenvolvimento à proteção, além de se iniciarem formalmente pelos movimentos progressistas as discussões sobre o direito à cidade, entendido como direito à terra urbana e ao saneamento e, mais timidamente, sobre o meio ambiente urbano.

No Brasil, temos a elaboração dos documentos-base para discussão da Agenda 21 Nacional, que pressupõe uma Agenda 21 Local e desenvolve outras dimensões para o conceito de sustentabilidade, que passa a incluir a sustentabilidade social, cujo objeto é a qualidade de vida da populaçãoa redução dos níveis de exclusão e a sustentabilidade demográfica relacionada à capacidade de suporte dos territórios. Essas questões foram amplamente discutidas em Quito no Habitat III, revisitando as questões relativas aos recursos hídricos no meio ambiente urbano.

A hipótese é de que é possível proteger as áreas ciliares aos recursos hídricos em meio ambiente urbano consolidado, preservar o ciclo hidrológico urbano e incorporar um conceito mais amplo de cidade ambientalmente sustentável por meio de um regime jurídico específico para essas áreas, utilizando-se da combinação de Instrumentos Jurídicos da Política Urbana, da Política Ambiental e da Política Fiscal Tributária existentes. Entende-se que o arcabouço legal trazido pelos instrumentos da Política Urbana, bem como institutos os tributários e financeiros, combinados com instrumentos jurídicos da Política Ambiental, é suficiente, como regime jurídico geral, para promover transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental, possibilitando a recuperação da função ecológica de setores da cidade.

Por fim, em que pese o inciso I do art. 1º-A. da Lei nº 12.651/2012 do denominado Código Florestal[4] afirmar “o compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da integridade do sistema climático para o bem estar das gerações presentes e futuras”, no meio ambiente urbano os recursos hídricos, via de regra, não gozam do mesmo nível de proteção do qual desfrutam no ambiente natural, como Áreas de Preservação Permanente previstas no Código Florestal, principalmente em áreas urbanas consolidadas, dada a visão acrítica que permite que essas áreas sejam destituídas de suas funções ecológicas, comprometendo o ciclo hidrológico em meio ambiente urbano.

[1] WARD, Barbara; DUBOS, René. Uma terra somente: a preservação de um pequeno planeta. Tradução Antônio Lamberti. São Paulo, Edgard Blücher. São Paulo: Melhoramentos: Ed. da Universidade de São Paulo, 1973. p. 37-39.

[2] PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica– LAUDATO SI (Sobre o cuidado da casa). Roma: Vaticano, 2015. p. 19.

[3] PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica– LAUDATO SI (Sobre o cuidado da casa). Roma: Vaticano, 2015. p. 21.

[4] Incluído pela Lei nº 12.727/2012.

 

Fonte: CAU/BR

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